ESTRUTURAS E ELEFANTES BRANCOS... é só o que resta!
Outrora, há já algumas décadas, fervilhava a cultura, a vontade de jogar e de conviver. A pobreza era muita, as necessidades ainda maiores, mas a vontade de realizar ATIVIDADES estava na alma de todos...
No dia a dia, era o trabalho duro das sementeiras, das regas, das colheitas, as ruas eram repletas de poeira ou lama. Pessoas e animais, pela rua fora, compartilhavam espaços nem sempre delimitados, os recos, as pitas, os coelhos, as vacas, os toiros e os burros viviam num mosaico social, económico e de liberdade e apesar da constante azáfama, ainda assim havia tempo para praticar ATIVIDADES... Mas oque era isso, afinal, de ATIVIDADAES? Simplesmente era isso mesmo, ou seja, toda a comunidade, velhos, novos e crianças, participavam num conjunto de tarefas de lazer, de jogo, de divertir, umas mais de caráter geral, tradicional e eventual mas outras realizadas sem fim no dia a dia, que tornavam a comunidade rural menos triste, menos revoltada, menos preocupada, menos pobre e carenciada, menos dependente e conformada e sobretudo mais amiga, pacífica, bairrista e solidária!
Assim, no dia a dia, desde o Jogo da Rocha, do Pino, do Pião, do Esconde Esconde, da Mortalha, da Barra Forte, da Pinha, era um sem fim de atividades que as crianças e jovens praticavam entre si, por vezes descalços, de calças poidas ou mesmo rasgadas, de caras sujas, moncos no nariz, mas sempre entusiasmados e (talvez) felizes a sério!.. Mas tradicionalmente havia também atividades mais prolongadas e gerais, que envolviam todo o povoado, donde sobressai o Carnaval, que primava pelo disfarce, pelos chocalhos, pela farinha, farelo e até cinza, mas sempre não passando limites e bom senso. Já por ocasião da Festa Anual do padroeiro, eram as rusgas, os diversos Jogos Populares, Corridas de Cântaros, de Burros, a Panela, o Farelo, etc. etc. E todos se sentiam em casa, com um espírito divertido e sossegado, que pasmava aos céus!
Entretanto a evolução dos tempos, das economias e das vontades trouxeram novas ATIVIDADES, uma das quaisa bola, que começou a ser jogada de trapos! O Futebol entre aldeias surgiu depois e sobretudo, por ocasião das Festas Anuais, assistia-se a autênticos torneios entre aldeias, que levavam as comunidades ao rubro, no meio de gritos, copos e o olhar de alguns agentes da GNR que eram obrigatoriamente contratados para que esses eventos se pudessem realizar! E os campos (?) de futebol eram térreos, onde os tojos, gestas e chamiças teimavam ao longo do ano em rebentar e a sobreviver, mas que as enxadas de roçar dos jovens destruíam e alisavam. Depois, de quando em vez, arranjava-se cal e marcava-se o campo, sobretudo para os "jogos oficiais"... E foi assim anos e anos, sem as chamadas ESTRUTURAS, isto é sem sedes, sem relvados, sem construções, sem polivalentes e até sem grandes estatutos ou mesmo planos, sim porque o verdadeiro plano de atividades estava na índole e na génese do próprio povo, que, por vezes, sem saber ler e escrever, conhecia de cor toda a calendarização, as regras, os participantes, os prémios, os custos e até as contas!...
Até que UM DIA... tudo se modificou: vieram as Sedes, os Espaços, os Campos, as Salas, os Gabinetes, os Relvados, os Polidesdesportivos, as Mobílias, os Banhos, as Bolas, as Redes, as Cordas, os Baloiços, as Mesas, os Carros, os Equipamentos, os Computadores.... Sim veio tudo e todas as ESTRUTURAS ficaram espalhadas por toda a comunidade... campo disto, campo daquilo, sede disto sede daquilo, pavilhão multiusos disto e daquilo...
ESTRUTURAS e ELEFANTES BRANCOS, proliferaram pelas comunidades, de difícil construção e manutenção, mas escandalosamente sem uso ou pouca utilização, iluminados pela noite fora, altos, pintadinhos e belos, mas onde só moram cadeiras, mesas e sofás e, por vezes, sem mais nada, a não ser quando houver mais uma daquelas atividades ruidosas e de abanar o capacete, de saltar ao ar, no meio de uma dezena de copos, dum reco no espeto ou, pior ainda, de mais uma campanha política de manipulação e de embriaguez coletivas!
É mesmo, ESTRUTURAS e ELEFANTES BRANCOS, por todos os lados, donde de noite e de dia ouvimos gritos dum silêncio aterrador... é que, no seio das Comunidades já não há ATIVIDADES!... Outrora, sem ESTRUTURAS, foram e eram todos tão felizes com tantas ATIVIDADES!...
E agora... agora, ESTRUTURAS e ELEFANTES BRANCOS... é só o que resta!